sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Krugman

"Quando ouviu as terríveis notícias do Arizona foi inteiramente apanhado de surpresa? Ou a um certo nível já esperava uma atrocidade assim?

Eu incluo-me na segunda categoria. Desde o fim da campanha de 2008 que sinto um aperto no estômago. Lembro-me do renascimento do ódio político depois da eleição de Clinton em 1992 - renascimento esse que culminou no atentado de Oklahoma. E bastava observar os ajuntamentos McCain-Palin para percebermos que podia voltar a acontecer. O Departamento de Segurança Interna chegou à mesma conclusão: em Abril de 2009 um relatório interno avisava que o extremismo político de direita estava a crescer, e o potencial de violência também ia em crescendo.

Os conservadores denunciaram o relatório, mas ali estava, nos factos, a vaga crescente de vandalismo contra ocupantes de cargos eleitos, incluindo tanto o juiz John Roll, morto no sábado, como a congressista Gabrielle Giffords. Estava-se mesmo a ver que um destes dias alguém acabaria por levar o processo até ao nível seguinte. Foi o que aconteceu.

É verdade que o atirador do Arizona parece sofrer de perturbações mentais, mas isso não significa que este acto possa ou deva ser tratado como um acontecimento isolado, sem nada que o ligue ao clima nacional.

Na Primavera passada, o Politico.com noticiou um ressurgimento das ameaças a membros do Congresso, que já tinham subido 300%. Uma certa percentagem dos indivíduos por trás destas ameaças tinha um passado de doenças mentais - mas qualquer coisa no estado actual da América tem levado mais pessoas perturbadas a reagir ao ambiente que as rodeia com ameaças ou mesmo com acções de violência política.

E não há grandes dúvidas em relação ao que mudou. Como disse Clarence Dupnik, o xerife responsável por investigar o tiroteio no Arizona, é a "retórica vitriólica que ouvimos todos os dias na rádio e na televisão". A grande maioria dos que são expostos a ela não chega ao ponto de tomar medidas violentas, mas há sempre alguns que acabam por ultrapassar os limites.

É importante que sejamos claros quanto à natureza da nossa doença. Não se trata de uma falta geral de "civilidade", a palavra principal dos especialistas que querem negar a existência de conflitos políticos fundamentais. A cortesia pode ser uma virtude, mas há uma grande diferença entre não ter maneiras e fazer apelos puros e simples à violência; insultar não é o mesmo que incitar.

O que quero dizer é que na democracia há lugar para as pessoas que ridicularizam e acusam os que discordam delas; o que não há é para a retórica eliminacionista, para as sugestões de que os que se encontram do outro lado do debate político devem ser eliminados seja por que meio for.

É a saturação do nosso discurso político - e em especial das ondas de teletransmissão - de retórica eliminacionista que está por trás da vaga crescente de violência.

Onde tem origem a retórica venenosa? Não vale a pena perder tempo a fingir que temos de pensar muito para descobrir: vem, maioritariamente, da direita. É difícil imaginar um congressista democrata a incitar os seus eleitores a tornar-se "armados e perigosos" sem ser ostracizado; no entanto, a republicana Michele Bachmann, que o fez, é uma estrela em ascensão no velho partido da direita americana.

Nos media o contraste também é grande. Basta ver os programas de Rachel Maddow ou Keith Olbermann para ouvir comentários cáusticos e piadas contra os republicanos. No entanto, não se ouvem piadas sobre dar tiros a responsáveis governamentais ou decapitar jornalistas do "The Washington Post". Ouça Glenn Beck ou Bill O''Reilly e já ouve coisas desse tipo.

Como é evidente, gente como Beck e O''Reilly está a responder à procura popular. Talvez os cidadãos de outras democracias estejam surpreendidos com a maneira como os esforços de presidentes moderadamente liberais para melhorar os serviços de saúde são recebidos com acusações de tirania e incitações à resistência armada. Porém, é o que acontece cada vez que um democrata ocupa a Casa Branca, e há um mercado para quem estiver na disposição de inflamar essa raiva.

O ódio até pode ser o que muita gente quer, mas isso não desculpa aqueles que se aproveitam dessa tendência, que deviam ser olhados de lado por qualquer pessoa decente.

Infelizmente, isso não tem acontecido. Os fornecedores de ódio têm sido tratados com respeito, até com deferência, pelo aparelho republicano. Nas palavras de David Frum, que escrevia discursos para o presidente Bush: "Os republicanos começaram por pensar que a Fox trabalhava para eles e agora estão a descobrir que eles é que trabalham para a Fox." 

Quererá isto dizer que o massacre do Arizona vai contribuir para moderar o tom do nosso discurso político? Tudo depende dos líderes do Partido Republicano. Estarão dispostos a encarar o que está a acontecer nos Estados Unidos e a tomar medidas contra a retórica eliminacionista? Ou vão fazer de conta que tudo não passou do acto de um tresloucado e continuar como antes? Se o que aconteceu no Arizona promover um exame de consciência, talvez venha a revelar-se um ponto de viragem. Se não, a atrocidade de sábado pode ser só o princípio."



Paul Krugman no i


Comentário: Eis a crónica que tanto enfureceu os imbecis da Fox News. Krugman tem toda a razão no que escreve por muito que custe aos Becks e aos  O´Reillys.

1 comentário:

  1. E reabrir, ainda que só por uns dias, o "direito" (??) a ter um arsenal de armas em casa.
    Mas será, como sempre, por pouco tempo.

    ResponderEliminar