sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Portugal no pior (ou habitual)

"Você vai ao banco pedir um empréstimo para habitação e a primeira coisa que o banco lhe exige é ficar com a hipoteca da casa que vai comprar, como garantia do empréstimo. Você vai pedir um empréstimo para qualquer outro fim e a primeira coisa que o banco lhe pergunta é se tem bens imóveis que possa dar como garantia. E todos achamos isto normal e habitual: que o credor se precavenha contra o incumprimento do devedor. Mas talvez deixássemos de achar normal se soubéssemos que o presidente do banco, esse, não tem nem a casa nem os seus bens em nome próprio, mas sim em nome de inatingíveis offshores. Esta semana ficou a saber-se que João Rendeiro, presidente e fundador do defunto BPP, tem a casa onde vive e a sua tão celebrada colecção de arte em nome de offshores situadas em algum lugar exótico e inalcançável pela justiça. O mesmo banqueiro que apresentou um livro em seu louvor na véspera de ir pedir ao banco de Portugal que salvasse o BPP da falência a que a sua gestão, no mínimo irresponsável, o conduzira; o mesmo banqueiro que teve o desplante de fazer comunicados na imprensa a dizer que não tinha nada que ver com a falência do banco, pois que era "apenas" presidente do conselho de administração; o mesmo que queimou o dinheiro e as poupanças de milhares de depositantes do banco, tratou, em tempo útil, de pôr a recato os seus próprios bens. O navio afundou-se, mas o capitão safou-se, com o tesouro.
Madoff tentou fazer o mesmo nos Estados Unidos, mas a lei e as autoridades americanas não são tão complacentes, porque lá o capitalismo é levado mais a sério: o Tesouro americano recuperou rápida e legalmente a casa que ele tinha também colocado em nome de uma offshore e vendeu-a em leilão, assim como todos os seus outros bens localizados, até à colecção de sapatos. Hoje, Madoff vive na prisão, em cumprimento de pena perpétua, a sua mulher vive num T-1 em Nova Iorque e anda de metro a caminho do trabalho que teve de arranjar, e os seus filhos, que entregaram o próprio pai à polícia, tentam sobreviver, escondendo a vergonha que o apelido arrasta consigo. Essa é mesmo a principal diferença entre lá e cá: aqui, perdeu-se, algures e sem sobressalto algum, a noção de vergonha, de pudor, de honra. Eu sempre achei que as pessoas que escondem o seu dinheiro do fisco e os seus bens do conhecimento público têm, ou presumem vir a ter, alguma coisa de grave a esconder. O que não as torna recomendáveis nem de confiança. Homens como João Rendeiro não fazem falta alguma ao país. Mas, antes de ir pregar para outra freguesia, deve prestar contas. É apenas isso que esperamos da justiça, e em tempo útil.
2 O chamado 'Aeromoscas' de Beja, apresentado como o centro nevrálgico do novo cluster aeronáutico do país, enterrou já dezenas de milhões de euros num aeroporto que, por defeito de concepção da pista, nem certificado para voos consegue ser. Parece que agora, e injectando mais 39 milhões, o 'Aeromoscas' poderá, finalmente, cumprir a sua vocação de receber aviões. Apenas com um pequeno óbice: não se sabe, porque não se estudou nem planeou, que aviões poderá receber. Mas, mesmo assim - pronto, inadequado e parado há quatro anos - o 'Aeromoscas' custa aos contribuintes 4 milhões de euros por ano. Em quê, perguntarão os leitores? Ora, seguramente no habitual: vencimentos, despesas de representação e despesas administrativas. O Estado português tem esta extraordinária característica, que é a sua imagem de marca, tantas vezes: funcionar em autofagia administrativa. Isto é, determinado serviço só existe para se servir a si próprio, não para prestar serviço algum à comunidade. Quanto não pouparíamos se, um a um, fossem todos vistos à lupa e, quando inúteis, fossem exterminados?
O European Social Survey (ESS) quis saber o que os europeus pensam sobre o Estado Social e as dificuldades do seu financiamento (que, em Portugal, representam já 18,5% do PIB). Sem espanto, constatou-se que os portugueses estão entre os maiores defensores da manutenção do actual nível de protecção social ou até do seu incremento - boas notícias para a candidatura de Manuel Alegre, que tem feito disto o tema central do seu discurso. As más notícias é que, apesar de defenderem o mesmo ou melhor Estado social, os portugueses estão também entre os que menos se declaram dispostos a pagar mais para isso, juntamente com espanhóis e gregos (curioso...). Ou seja: mais Estado sim, mas pago por mim não.
Já se explicou tudo e várias vezes e não adianta repetir que as pessoas vivem cada vez mais, reclamam e fazem cada vez mais despesas de saúde e que isso não é financeiramente comportável mantendo todos os "direitos adquiridos" e reforma aos 60 anos de idade, ou próximo. Quem queria perceber, percebeu. É conscientemente que uma geração opta por não abdicar de nenhum dos seus actuais privilégios, mesmo sabendo que isso significa uma geração seguinte - a dos seus filhos - amputada de direitos.
Dêem os socialistas as cambalhotas que derem, eu não esqueço o que Teixeira dos Santos disse sobre a antecipação de dividendos pelas empresas, a fim de fugirem à tributação fiscal de 2011: "batota fiscal". Chamem a isso planeamento e não batota, digam que foi o Estado que mudou as regras do jogo a meio e não as empresas, é indiferente: é privilégio do Estado democrático decidir ele os impostos que se pagam, e não os contribuintes. Também a mim o Estado me mudou as regras do jogo, aumentando a taxa de IRS por três vezes nos últimos cinco anos. Eu contava pagar uma coisa, mas acabei a pagar outra. E então? Então, é chato, mas toca a todos. Ou devia tocar.
P.S. - Ernâni Lopes foi um português desfasado destes tempos sombrios que vivemos. Um português com a noção de honra e sentido de serviço ao país. Graças a ele Portugal ultrapassou uma grave crise financeira e pôde entrar na União Europeia, e mais tarde no euro, em condições de estabilidade financeira e crescimento económico, que Cavaco Silva aproveitaria para dez anos de governo financeiramente desafogado, como nunca antes ou depois. Foi ele, com o valor que dava ao trabalho e ao esforço, que nos disse, quando entrámos na UE, uma frase que ninguém quis levar a sério: "Acabou-se o fado!" E foi ele que mais tarde fundaria e presidiria ao Movimento Portugal Único, a cuja direcção tive a honra de pertencer, e que, pela sua palavra e exemplo, mobilizou uma larga maioria de portugueses contra o projecto nefasto da regionalização político-administrativa do país - que hoje tentam desenterrar para nos enterrar de vez. Teve a intuição ou o sentido de missão de estar sempre na linha de fogo nos momentos difíceis. E, quando ganhou, não ganhou nada para si próprio. Portugal deve muito a Ernâni Lopes."
Miguel Sousa Tavares no Expresso
Curiosamente ainda ontem nas notícias falaram de um aeroporto a 200 km de Madrid que está praticamente vazio, contando apenas com 3 voos semanais.  Será este o destino do "Aeromoscas" ?

1 comentário:

  1. O MST no seu melhor.
    Eu ainda não percebi porque é que são necessários tantos aeroportos.
    Mas deve ser defeito meu.

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